NOTA DO BLOG: Diante do debate que está se instalando, apesar de debate
ser o instituto que o projeto ESCOLA SEM PARTIDO quer abolir, estamos postando
um artigo oposto ao que vem sendo difundido.
Educadores e militantes da educação começam a se mobilizar
para fazer frente a essa possibilidade de doutrinação fascista chamada Escola
Sem Partido.
MUTUM PEDAGÓGICO reproduz na íntegra o artigo postado no
site da Fio Cruz, e veja que parte justamente de entidade ligada à saúde
entendendo que a educação perpassa as demais áreas sociais
Lançada Frente Nacional contra o
Projeto Escola sem Partido
Entidades e movimentos sociais se
unem contra projeto que está sendo considerado como "lei da mordaça"
na educação. EPSJV/Fiocruz participa da iniciativa
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 14/07/2016
14h27 - Atualizado em 18/07/2016 22h45
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Foto: Samuel Tosta |
“Estudante na escola tem direito
de pensar. Escola sem Partido é ditadura militar”. Puxado por grupos de alunos
e militantes de diversas entidades do movimento estudantil, foram vários os
momentos do encontro em que o grito tomou conta do ambiente. Eram centenas de
pessoas espremidas num auditório lotado. Passavam de cem também as instituições
e movimentos sociais representados — entre eles, a Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Com enfoques os mais diversos, os discursos
convergiam no apelo à unidade em prol de uma causa comum: o combate, nos
parlamentos e nas ruas, ao
projeto de
lei que quer limitar conteúdos e práticas escolares para acabar
com uma suposta “doutrinação” na educação brasileira. Batizado de ‘Escola sem
Partido’ pelo movimento que o criou, por onde passa o projeto tem recebido
outros nomes. Em Alagoas, por exemplo, foi aprovado na Assembleia Legislativa
como ‘Escola Livre’. No evento que reuniu educadores, estudantes, sindicalistas
e militantes da educação no Rio de Janeiro no último dia 13 de julho, o nome
adotado foi um pouco diferente: ‘lei da mordaça’.
O encontro marcou o lançamento de
uma Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido, que foi identificado
pela maioria dos presentes como uma das maiores ameaças colocadas à educação
pública na atual conjuntura brasileira. Destacando a presença cada vez mais
visível de discursos conservadores em relação às famílias, associados a uma
mercantilização da religião, o professor Gaudêncio Frigotto, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que fez a fala de abertura do encontro, foi
direto: “Não podemos deixar esse projeto ser aprovado porque, com ele, a
direita fascista terá não só a persuasão mas também a guilhotina”. Isso porque
o texto do projeto de lei — que foi elaborado pelo movimento Escola sem Partido
e distribuído a parlamentares nas esferas nacional, estadual e municipal
— prevê que os professores que incorrerem em prática de
"doutrinação", descumprindo alguma das proibições que o PL
estabelece, devem ser denunciados ao Ministério Público. Entre os seis pontos
que o projeto impõe como obrigações ou proibições legais ao trabalho em sala de
aula estão questões imprecisas e polêmicas, como a garantia de que o professor
não “cooptará” os alunos para correntes políticas ou ideológicas (além de
partidárias) e de que ele “respeitará o direito dos pais a que seus filhos
recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
Afirmando a importância da reação coletiva e a necessidade de resistir às
ameaças institucionalizadas que o projeto representaria, Gaudêncio brincou:
“Haja cadeia!”.
Fundamentalismos
“Por que não estamos contando
boas piadas sobre esse projeto?”. Essa é, na avaliação de Roberto Leher,
professor, pesquisador e reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), que fez a fala de encerramento do encontro, a pergunta que o campo da
educação precisa se fazer neste momento. Isso porque, segundo ele, alguns anos
atrás, quando o movimento Escola sem Partido foi criado, ele seria, no máximo,
alvo de ridicularização, pelo seu caráter “risível” e “inconstitucional”. “Mas
hoje estamos aqui”, ressaltou, destacando o espaço que essa iniciativa ganhou
nos parlamentos, o que, no nível federal, se expressa, por exemplo, na presença
de vários representantes de setores ultraconservadores na Comissão de Educação
da Câmara. O mais “preocupante”, destacou, é que esse projeto agora encontra
espaço num governo que carece de “legitimidade e legalidade”. “Ele começa a
entrar de forma capilarizada no governo central do país”, alertou, lembrando
que o ministro interino da educação, Mendonça Filho, se reuniu com o ator
Alexandre Frota e representante do Movimento Revoltados On Line para ouvir
sugestões sobre política educacional e que, nesta semana, o mesmo ministro
nomeou como seu assessor especial Adolfo Sachsida, um pesquisador que já se
declarou defensor do Escola sem Partido e, segundo Leher, já teria se
manifestado em redes sociais não só pela criminalização da liberdade de
pensamento mas também por iniciativas como a ‘cura gay’. Como outros casos que
marcaram a curta trajetória do governo interino, o assessor foi exonerado
menos de 24 horas depois da nomeação.
Para Leher, a peculiaridade deste
momento, no Brasil e no mundo, é o fato de — como nem sempre acontece — a
“aliança econômica da burguesia” precisar estar associada com a pauta da
ultradireita. Segundo ele, essa tem sido a principal saída encontrada para a
crise, o que, na sua leitura, significa um caminho para retomar as taxas de
lucro do grande empresariado. “Para isso, foi preciso destituir um
governo com o apoio da bancada ultrafundamentalista. Portanto ,a relação do
governo com essa bancada é intrínseca, um depende do outro”, disse. E alertou:
“Estamos diante do que Walter Benjamin chamou de ‘aviso de incêndio’”.
Gaudêncio também localizou o
Escola sem Partido na origem de um “golpismo” que, nas suas palavras, atingiu
não apenas ou principalmente o governo Dilma Rousseff, mas sim o que ele chamou
de “parca sociedade democrática” brasileira. A gênese mais imediata desse
processo estaria, segundo o professor, num certo “estado de exceção” imposto
pelo neoliberalismo quando, no Brasil e no mundo, os bancos centrais se
tornaram “ad hoc” dos governos, substituindo as decisões do conjunto da
sociedade.
Mas, no que diz respeito à escola
pública, Gaudêncio identificou o Escola sem Partido como herdeiro também de um
processo de “desautorização” e privatização que vem se dando desde a década de
1980. Segundo ele, esse ataque à autonomia da escola começou pela gestão,
crescentemente contaminada por uma lógica privada, muitas vezes até com
gestores privados. Em seguida, disse, mirou-se nos professores, que passaram a
ser alvos de “especialistas que dão as regras do bem ensinar”, processo que
culminou com a disseminação de apostilas e sistemas de ensino padronizados
produzidos por entidades ligadas a grandes grupos empresariais que são vendidos
para as secretarias de educação. Nesse trajeto, destacou Gaudêncio, assistiu-se
a um “sequestro paulatino da função do mestre”. “Agora querem tomar a
palavra do professor, dizer o que ele pode dizer”, resumiu.
Qual partido?
Seja nas palestras de abertura e
encerramento, de Gaudêncio Frigotto e Roberto Leher, seja nas falas das entidades
e movimentos sociais, o encontro marcou um consenso em torno da ideia de que o
que o projeto de lei visa instituir não é uma escola sem partido, mas uma
escola de partido único ou que atenda a interesses de partidos específicos. O
primeiro destaque da fala do reitor da UFRJ foi exatamente o fato de o deputado
que apresentou o PL na Câmara ser do PSDB, do qual faz parte também o deputado
Rogério Marinho, que submeteu
projeto de teor semelhante, tipificando o crime de “assédio
ideológico”, com foco nos professores.
Mas, para as entidades que
compõem a recém-criada Frente, a caracterização do ‘partido’ que orientaria o
movimento vai além das siglas eleitorais. “É o partido único da xenofobia, da
não-controvérsia, da ideologia única do mercado”, descreveu Gaudêncio. “É, na
verdade, a escola de um partido só, que reproduz o racismo e o machismo em sala
de aula”, classificou a representante da Federação Nacional dos Estudantes de
Escolas Técnicas (Fenet). “É a versão acabada do fascismo”, apontou o
representante da Intersindical. Mesmo antes do encontro, o manifesto que
convocou a construção da Frente resumia: “Defender a escola sem partido é
defender a escola com apenas um partido. Partido daqueles que são contra uma
educação laica e contra o debate sobre gênero, fortalecendo assim a cultura do
estupro e a LGBTTIfobia presente em nosso país. Defendemos a escola crítica
sim, a educação libertadora, a pluralidade de ideias e a liberdade de expressão
e pensamento”, diz o texto.
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FOTO: SAMUEL TOSTA |
A iniciativa de construir uma
Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido nasceu durante o 2º
Encontro Nacional de Educação (ENE), realizado entre 16 e 18 de junho — na
mesma data e no mesmo local em que o ENE acontecia, alunos da Universidade de Brasília
foram alvo de ataques racistas e homofóbicos de um grupo de manifestantes de
ultradireita. O manifesto de convocação é assinado por mais de cem entidades,
que envolvem sindicatos e centrais sindicais, partidos políticos e mandatos de
parlamentares, entidades estudantis e movimentos sociais em geral, entre
outros. Da publicização do manifesto até o lançamento da iniciativa, muitas
outras organizações se juntaram para compor a Frente.
Segundo informações do professor
Fernando Penna, da Universidade Federal Fluminense, apresentadas em
debate realizado na EPSJV/Fiocruz no último dia 8 de
julho, o PL do Escola sem Partido tramita hoje em dez estados e vários
municípios brasileiros, além do distrito federal e da Câmara dos Deputados.
Recentemente, foi aprovado em Alagoas. Alegando que o professor em sala de aula
não tem direito à liberdade de expressão, mas apenas à liberdade de cátedra,
para o movimento Escola sem Partido a “doutrinação ideológica” pode estar
expressa na ideia de que a escola dever “formar para a cidadania”; no debate de
acontecimentos atuais promovido pelo professor em sala de aula; no tratamento
de
questões ligadas à “moralidade”, que envolvam cultura
religiosa ou discussões de gênero, por exemplo; ou na simples leitura de autores
considerados “doutrinadores” de esquerda – entre eles, estão Antonio Gramsci e
Paulo Freire. Diante dessa amplitude, a ideia da construção de uma Frente,
expressa no seu manifesto de convocação, é que, para combater a ofensiva desse
projeto, “não são mais suficientes as iniciativas isoladas”.
CONHEÇA O PROJETO:
http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/PL.pdf