NOTA DO BLOG: A reprodução desse artigo se justifica pelo fato de ser subsídio com base histórica na definição do papel do educador.
Ele também será postado no meu blog pastoral por se tratar do escrito de um grande defensor das CEBs e da religião para a liberdade (CLAUDIOPASTORAL).
Será postado também no meu blog político por se tratar de um artigo crítico tanto ao capitalismo quanto ao socialismo. Serve para os gestores educacionais de todos os níveis refletirem a respeito do papel da educação na sociedade (CLAUDIOPOLITICO).
Esse artigo foi compartilhado pelo meu colega de profissão Eduardo Silvério da Silva, professor de Educação Física e idealizador de projetos sociais usando o esporte.
Educação e consciência crítica
É dever de todos que se consideram de esquerda se perguntar
quais as causas do desaparecimento do socialismo na Europa. Há um amplo leque
de causas, que vão da conjuntura econômica de um mundo bipolar hegemonizado
pelo capitalismo às pressões bélicas em decorrência da Guerra Fria.
14/02/2014
Frei Betto
O bloco socialista se desintegrou antes de completar um
século. A União Soviética se esfacelou e os países que a integravam adotaram o
capitalismo como sistema econômico e sinônimo de democracia.
Tudo aquilo que o socialismo pretendia e que, em certa
medida, alcançara – redução da desigualdade social, garantia do pleno emprego,
saúde e educação gratuitos e de qualidade, controle da inflação etc. –
desapareceu para dar lugar a todas as características desumanas do neoliberalismo
capitalista: a pessoa encarada não como cidadã, e sim como consumista; o ideal
de vida reduzido ao hedonismo; a exploração da força de trabalho e a
apropriação privada da mais-valia; a especulação financeira; a degradação da
condição humana através da prostituição, da indústria pornográfica, da
criminalidade e do consumo de álcool e drogas.
É dever de todos que se consideram de esquerda se perguntar
quais as causas do desaparecimento do socialismo na Europa. Há um amplo leque
de causas, que vão da conjuntura econômica de um mundo bipolar hegemonizado
pelo capitalismo às pressões bélicas em decorrência da Guerra Fria.
Entre tantas causas destaco uma de caráter subjetivo,
ideológico: o papel do educador na formação de seus alunos.
Devo dizer que, antes da queda do Muro de Berlim, tive a
oportunidade de visitar China, Tchecoslováquia, duas vezes a Polônia e a
Alemanha Oriental, e três a União Soviética.
O socialismo europeu cometeu o erro de supor que seriam
naturalmente socialistas pessoas nascidas em uma sociedade socialista.
Esqueceu-se da afirmação de Marx de que a consciência reflete as condições
materiais de existência, mas também influi e modifica essas condições. Há uma
interação dialética entre sujeito e realidade na qual ele se insere.
Em primeira instância, e não em última, nascemos todos
autocentrados. “O amor é um produto cultural”, teria dito Lênin. Resulta do
desdobramento de nosso ego, o que se obtém através de práticas que infundam
valores altruístas, gestos solidários, ideais coletivos pelos quais a vida
ganha sentido e a morte deixa de ser encarada como fracasso ou derrota.
Segundo Lyotard, o que caracteriza a pós-modernidade é não
saber responder a questão do sentido da vida. Este o papel do educador: não
apenas transmitir conhecimentos, facilitar pedagogicamente o acesso ao
patrimônio cultural da nação e da humanidade, mas também suscitar no educando o
espírito crítico, a atitude ética, a busca do homem e da mulher novos em um
mundo verdadeiramente humanizado.
Ora, isso jamais será possível se não se propicia ao
magistério um processo de formação permanente. É um equivoco julgar que
professores são todos imbuídos de valores nobres. Nenhum de nós é totalmente
invulnerável às seduções capitalistas, aos atrativos do individualismo, à tentação
de acomodamento e indiferença frente ao sofrimento alheio e às carências
coletivas.
Estamos todos permanentemente sujeitos às influências
nocivas que satisfazem o nosso ego e tendem a nos imobilizar quando se trata de
correr riscos e abrir mão de prestígio, poder e dinheiro. A corrupção é uma
erva daninha inerente ao capitalismo e ao socialismo. Jamais haverá um sistema
social no qual a ética se destaque como virtude inerente a todos que nele vivem
e trabalham.
Se não é possível alcançar a utopia de ética na política, é
preciso conquistar a ética da política. Daí a
importância de uma profunda reforma política. Criar uma institucionalidade
política que nos impeça “cair em tentação” quanto à falta de ética.
Isso só será possível em um sistema no qual inexista a
impunidade e o desejo de ser corruptor ou corrompido não seja alcançado. Tal
objetivo não se atinge por meio de repressão e penalidades, embora elas sejam
necessárias. O mais importante é o trabalho pedagógico, a emulação moral,
tarefa na qual os professores desempenham papel preponderante por lidarem com a
formação da consciência das novas gerações.
O professor deve ter atitudes pautadas pela
construção de uma identidade humana na qual haja adequação entre essência e
existência. Saber ministrar sua disciplina escolar contextualizando-a na
conjuntura histórica em que se insere.
O papel número um do educador não é formar mão de obra
especializada ou qualificada para o mercado de trabalho. É formar seres humanos
felizes, dignos, dotados de consciência crítica, participantes ativos no
desafio permanente de aprimorar a sociedade e o mundo em que vivemos.
Frei Betto é
escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros
livros.