Aluno da Unicamp
nascido na zona rural de MG vai estudar na França
André
Moura, de 21 anos, fará intercâmbio na École Centrale de Lyon.
'Se não fosse a educação, seria um trabalhador rural', diz jovem.
Vanessa FajardoDo G1, em São Paulo
Quando
vivia em Pocrane, cidade de 9.000 habitantes na zona rural de Minas Gerais,
André Luiz de Moura Marques, hoje com 21 anos, queria se livrar do trabalho na
roça. Tinha pavor de ter de ajudar a família no cultivo das plantações de
milho, feijão e arroz como faziam os jovens de sua idade, e ia estudar, ler e
sonhar com novas oportunidades. Não sabia ao certo onde queria chegar, mas
conhecia o caminho: a educação. Pocrane ficou para trás, André se tornou aluno
de engenharia química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e agora
está prestes a mudar de casa novamente. O destino é Lyon, que abriga a École
Centrale de Lyon, uma das mais respeitadas instituições de ensino superior de
engenharia do mundo.
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Casa de André no município de Pocrane |
O
jovem vai participar de um intercâmbio de dois anos que será possível graças a
um programa de duplo diploma da Unicamp destinado aos estudantes de engenharia.
Os candidatos são selecionados por meio de análise de currículo, histórico
escolar, entrevista e prova. André embarca no próximo dia 21 de agosto. Vai
aprender o idioma, fazer as disciplinas do curso de engenharia química em Lyon,
mas conclui a graduação na Unicamp.
Não
é a primeira vez que André sairá do país. Em julho, em sua primeira viagem de
avião, ficou três semanas na China por um programa de intercâmbio do Santander
para participar de uma série de discussões sobre meio ambiente e
sustentabilidade. “Foi bom conhecer outro país, outra cultura, outra moeda. É
bom ver tudo isso para depois emitir suas próprias opiniões”, diz.
saiba mais
Para
chegar até a École Centrale de Lyon, a trajetória do jovem foi longa. Durante o
ensino fundamental estudava em um povoado distante uma hora de sua casa em
Pocrane, ia a pé, sob sol quente. Foi incentivado por uma diretora a tentar uma
vaga no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) quando
concluísse o ensino fundamental. E ao contrário do desejo mãe, que tinha medo
de não conseguir ajudá-lo nas despesas se saísse de casa, prestou vestibulinho
para tentar uma vaga no Colégio de Aplicação. Falhou na primeira tentativa, mas
conseguiu no ano seguinte.
“Fiz
a prova, fui aprovado mas não tinha como me manter lá [em Viçosa]. Tinha 16
anos, e na minha família nunca ninguém tinha saído de casa para estudar. Minha
mãe não tinha como me bancar, e meus professores me ajudavam, me davam dinheiro
para me manter, até os que não me conheciam, mas sabiam da minha história”,
afirma André. Nessa época, a mãe do garoto, Ruth Moura, de 39 anos, trabalhava
como empregada doméstica, hoje ela é auxiliar de serviços gerais em uma escola
de Pocrane. O pai de André morreu por conta de um acidente de trabalho em uma
mineração quando ele tinha dois anos.
“Quero
me engajar para mudar algumas coisas no meu país. Não me considero mais
inteligente do que ninguém, só tive oportunidade e quero promover isso para
quem tem grande potencial, mas é sufocado pelo meio."
André Luiz de Moura
Marques, de 21 anos
Trezentos
quilômetros longe de casa, em Viçosa, André demorou um pouco para se acostumar.
“Morava na roça e foi um choque cultural, no primeiro ano sofri um pouco”, diz.
André só voltava para Pocrane nas férias, trabalhava como professor particular
de matemática e física, e a mãe, aos poucos, se acostumou com a ideia de tê-lo
longe. “No começo foi difícil porque fui o primeiro a fazer isso. Mas ela se
convenceu de que era a oportunidade que tinha e sabia da minha vontade de sair
de lá.”
Ao
término do terceiro ano do ensino médio, em 2009, André prestou vestibular e
garantiu vaga na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Unicamp,
Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e UFV, onde passou em primeiro
lugar entre todos os candidatos. Optou pela Unicamp pela reputação e qualidade
da instituição, mas também pela política de auxílio e moradia estudantis.
“Muita
gente de Pocrane não sabe o que é uma universidade pública, mas é normal. Eu
mesmo não tinha noção, mas abri minha cabeça, nunca pensaria em mudar para São
Paulo, mas pude sonhar mais alto”, diz.
O
espírito de querer o evoluir, o fez ser escolhido como um dos bolsistas da
Fundação Estudar, que apoia jovens talentos brasileiros com auxílio financeiro
e de orientação para carreira. Da seleção deste ano saíram 29 estudantes entre
quase 6.000 inscritos.
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A beira do rio Manhuaçu |
)
‘Oportunidade para quem tem
potencial’
Lyon é uma das maiores cidades francesas. Lá, André vai estudar, estagiar e
morar no campus da universidade. Volta para o Brasil dois anos depois para
concluir a graduação na Unicamp, trabalhar e investir em projetos de educação.
“Quero me engajar para mudar algumas coisas no meu país. Não me considero mais
inteligente do que ninguém, só tive oportunidade e quero promover isso para
quem tem grande potencial, mas é sufocado pelo meio. A educação é o que muda
nossa vida. É o que mudou a minha. Se não fosse por ela, seria um trabalhador
rural”, afirma.
O
mineiro pensa em trabalhar como engenheiro com projetos de construções, mas
atuar em projetos de educação de forma paralela, criando colégios ou fundações
que apoiem estudantes. “A educação faz você se uma pessoa melhor, um cidadão
mais consciente, e vai mudar o Brasil. É o mínimo que posso fazer por tudo
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André na China |
que
tive. Professores apostaram em mim e tenho de retribuir”, diz.
Do
Brasil, nos próximos dois anos, André diz que vai sentir falta da família, da
língua e da sensação de estar em casa. Mas a distância será importante para
viver outras realidades e experiências que poderão se copiadas. “A gente tem
muita coisa para ser melhorada e não quero me acomodar. Nosso país é
desenvolvido de forma assimétrica, e temos o papel, como cidadãos, de mudar
isso. Eu não tinha acesso a uma boa educação, a expectativa era de que virasse
um trabalhador rural. Mas minha história foi diferente, e a ideia é que eu não
seja um caso a parte. A educação no Brasil é muito restrita, e me faz refletir
sempre.”